EM “MAR DO SERTÃO”, UM SERTÃO IMENSO, VERMELHO E VAZIO, COM HOMENS E MULHERES VIRIS [UMA ANÁLISE ENUNCIATIVO-DISCURSIVA DE UMA TELENOVELA]
Linguística Aplicada. Enunciado. Telenovela. Sertão. Nordeste.
A presente pesquisa nasceu de uma inquietação frente à construção discursiva do território Sertão/Nordeste na telenovela “Mar do Sertão, da TV Rede Globo (2022-2023), drama televisivo que se tornou o corpus desta investigação. O objetivo é problematizar como “sertão” é construído nessa narrativa ficcional através da análise linguístico-semiótica da produção de uma “paisagem física” e de uma “paisagem sociocultural”, assim como da enunciação de sertão por personagens desse enredo, de maneira que possa inferir sobre os sentidos para esse território constituídos nessa trama novelística. Este trabalho assume a concepção de linguagem como construção, a partir da qual entendemos que nossas ações no mundo se realizam via linguagem, mais especificamente no que denominamos de ato enunciativo. Nesta perspectiva, este estudo tem como objeto de reflexão o imbricamento entre linguagem e território, sob uma geografia discursiva (Santos Filho e Santos, 2024) e conforme as proposições de Albuquerque Jr. (2008; 2021), de uma historiografia dos espaços, em que ressalta que uma região é fruto de disputa e de poderes, que são constituídos via linguagem, bem como a ideia de que a paisagem é uma construção de experiências humanas, conforme Besse (2014). Por essa postura acadêmica, esta pesquisa de dissertação se realiza na Linguística Aplicada, campo do saber de caráter crítico e reflexivo a respeito das questões sociais e culturais, em um mundo de constante mudança, propenso à mutabilidade e a rupturas. Dessa forma, situa-se na LA contemporânea, que dialoga com o contexto e nos permite pensar em questões hegemônicas e relações de poder. O procedimento metodológico adotado é a leitura enunciativo-discursiva, proposta por Santos Filho (2012), através das discussões do círculo de Bakhtin, mais especificamente em “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, com Volochinov (2004; 2018). Ao adotar essa perspectiva de leitura, consideramos que a telenovela “Mar do Sertão”, como um produto artístico-midiático, está para dar lições territoriais, conforme Santos Filho (2019), de forma que, ao estar situada em um momento de tensão político-eleitoral, tendo como grande foco de discussões a região Nordeste (sofrendo inúmeros ataques preconceituosos por parte de grupos de extrema-direita política), possivelmente está respondendo a esses enunciados que a circundam. Inferimos, portanto, que devido a esse contexto, a trama foi construída para dizer de uma região que é sempre retomada enquanto seca, e, por isso, avermelhada, estando para dar lições sobre um território construído linguística e semioticamente como um Nordeste/Sertão que é sempre o mesmo, um espaço estabilizado, fixo e imutável, repetindo, dessa maneira, a ideologia já construída no último século, fruto de brigas político-regionais. Logo, mesmo quando se tenta na trama construir outra imagem para esse lugar, rapidamente volta à estereotipia, pois não consegue sustentar outras possibilidades de pensar “sertão”, que não o espaço da fome, miséria e que dita formas viris de ser homem e mulher. Na pesquisa, dialogamos com Albuquerque Jr. (2008, 2011, 2021), Baccega (1995, 2015), Barbosa (2024), Besse (2014), Condato e Carmo (2017), Fabrício (2006), Guimarães (2006), Marcuschi (2003), Miotelo (2005), Moita Lopes (2002, 2006, 2009), Osterman (2017, 2019), Pennycook (1998, 2006), Santos Filho (2016, 2019, 2023), Santos Filho e Santos (2024), Volóchinov (2018) e Wolf (2015).