DERIVAS DA MEMÓRIA EM ROTEIRO RECIFENSE E ORGIA, OS DIÁRIOS DE TULIO CARELLA
Palavras-Chave: Túlio Carella; Roteiro Recifense; Orgia; Memória; Escritas de si.
Italo Túlio Carella, intelectual argentino que viveu no Recife entre 1960 e 1961, a convite de Hermilo Borba Filho para ministrar aulas de teatro, produziu Roteiro Recifense (1965), uma coletânea de poemas, e Orgia (1968), estruturada como romance. Ambas as obras, produzidas a partir de uma mesma memória (Pollack, 1989; Barrenechea, 2003; Halbwachs, 2004; Ricoeur, 2007; Jelin, 2020; Trias, 2021), refletem sua experiência na cidade. Esta tese explora como a memória, aqui conceituada como memória-eventus, se reconfigura nessas obras, não como simples recordação, mas como um processo dinâmico de construção identitária e reelaboração do vivido, A memória-eventus é também entendida como uma deriva, um movimento errante e fragmentado que entrelaça fatos, eventos e subjetividade, moldado pelo tempo e pelas vivências de Carella. O conceito de “extratexto” - diários, documentos de arquivo, edificações e testemunhos - é fundamental, ampliando a leitura ao revelar o contexto histórico e pessoal, como a violência sofrida por Carella, preso e torturado pelo Estado brasileiro, confundido com traficante de armas para as Ligas Camponesas. Estas duas obras que são objeto desta tese, estruturadas, às suas maneiras, como escritas de si, respondem a essa violência, articulando uma narrativa pessoal e coletiva marcada pelo homoerotismo, pela efervescência cultural do Recife e pela perspectiva do estrangeiro. Ao integrar o extratexto, esta tese propõe uma leitura das escritas de si, desafiando interpretações tradicionais ao tensionar o narrado e o vivido, o silenciado e o preservado, destacando a memória como cerne de Roteiro Recifense e Orgia. Assim, oferece uma nova abordagem interpretativa, enfatizando a relevância dessas obras também como testemunhos de resistência.