A constituição da parentalidade na adoção tardia
Parentalidade; vínculo parento-filial; adoção tardia; Winnicott.
Um processo de adoção tardia envolve necessidades peculiares de cada indivíduo e representações de suas histórias psíquicas, que refletem diretamente na relação a ser estabelecida. As situações de rompimentos de vínculos, rejeições, negligências e violências vivenciadas pela criança influenciam de forma significativa no desenvolvimento da relação parento-filial. A constituição da figura de mãe/pai também é afetada por essas feridas não cicatrizadas das crianças, bem como por perdas, sofrimentos e falhas narcísicas dos próprios adotantes. Esse estudo teve como objetivo analisar e compreender a experiência de pais adotivos em relação à constituição de sua parentalidade na adoção tardia de crianças. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, desenvolvida por meio de estudos de caso. Participaram cinco mães e um pai que adotaram crianças maiores de 2 anos e/ou adolescentes. Os pais adotivos responderam a um questionário sociodemográfico, uma entrevista semiestruturada e participaram do procedimento Desenho de Família com Estória (DF-E). A análise dos dados foi sistematizada por meio da análise de conteúdo de Minayo e a interpretação dos dados fundamentou-se no referencial teórico psicanalítico de Winnicott e literatura atual sobre o tema. Os dados coletados possibilitaram a elaboração de três categorias temáticas: 1. Desromantização da parentalidade: medos, desafios e experiências de luto do filho idealizado (biológico e adotivo) e da família idealizada; 2. A vinculação parento-filial na adoção tardia: o peso do passado e suas repercussões; e 3. A participação da psicologia na constituição da parentalidade adotiva. Diante das discussões provenientes dos dados analisados, compreendeu-se que no caminho da adoção tardia os pais podem encontrar alguns obstáculos na constituição da sua parentalidade, como os estigmas vivenciados na infância, o desejo de reproduzir na vida adulta um modelo de família ideal que não foi vivenciado na infância, ou ainda a romantização da maternidade/paternidade por meio da idealização de um filho adotivo perfeito e de uma relação familiar perfeita, sem percalços na dinâmica de funcionamento. O luto não elaborado pelo filho biológico, bem como os medos, preconceitos e resistências à adoção tardia também são obstáculos que dificultam a aceitação da realidade estabelecida pelo processo adotivo, principalmente no início dele, bvisto que o período de adaptação da adoção exige que os pais saibam lidar com a história pregressa do filho adotivo, trabalhando os ciúmes, suportando as falhas dos pais biológicos, sem tentar apagar ou desmerecer o passado da criança, buscando, de acordo com a teoria de Winnicott, compreender a dinâmica inicial da vida da criança e quais os manejos necessários a fim de proporcionar um ambiente suficientemente bom ao desenvolvimento dela e a consolidação de um vínculo afetivo verdadeiro. Constatou-se também a relevância dos grupos de apoio à adoção na sensibilização e desmistificação da adoção tardia e no enfrentamento das expectativas e ansiedades dos pais adotivos, assim como a importância do apoio psicológico e a indispensável atuação do psicólogo antes, durante e depois da adoção, possibilitando um espaço de acolhimento e escuta as motivações, fantasias, medos e incertezas, contribuindo assim para a elaboração de conteúdos do psiquismo desses pais, bem como para a superação de desafios provenientes da convivência familiar, ressignificação de sentimentos e para a consolidação do vínculo parento-filial. Por fim, conclui-se que a maneira como os pais elaboram suas experiências subjetivas e acolhem as dificuldades do processo adotivo, por meio de uma adoção mútua, pode possibilitar a construção de um vínculo afetivo na relação parento-filial.