NOÇÕES DE CIDADE EM LIÇÕES DIDÁTICAS PARA CRIANÇAS: PROVOCAÇÕES PARA UM LETRAMENTO TERRITORIAL ‘PERIGOSO’
Cidade. Letramento territorial. Geografia discursiva. Livro didático. Lições didáticas.
Viver em cidade não é sinônimo de ter direito a ela, especialmente se considerarmos o modelo de cidade que aí está, uma cidade sem vida, esvaziada de pessoas, onde a desigualdade social é a regra, um modelo de cidade que não só reflete as desigualdades e as contradições sociais, mas que também as reafirma e as reproduz, conforme Maricato (2000; 2015; 2019), Gehl (2015), Gehl e Svarre (2018) e Jacobs (2011). É neste cenário que se situa o objetivo principal desde trabalho, qual seja, problematizar a noção de cidade em lições didáticas para crianças, nas coleções de Livros Didáticos A Conquista: Geografia, História e Projetos Integradores dos anos iniciais do Ensino Fundamental, da editora FTD. Seguindo esse propósito, neste empreendimento de pesquisa, o livro didático é tomado como um enunciado, a partir de Bakhtin (2016) e seu Círculo, em Bunzen (2005) e Santos Filho e Rocha (2024), e, na ótica da Linguística Aplicada, a partir de Signorini (1998), como um objeto híbrido, múltiplo e complexo, que necessita de saberes variados e imbricamentos teórico-metodológicos com outras áreas de estudos, não somente os da Linguística. Assim, no campo dos estudos em linguagem, situo esta investigação na Linguística Aplicada Crítica/Transgressiva, a partir de Pennycook (1998; 2006), Moita Lopes (1996; 2006a; 2006b; 2013; 2019; 2022), Moita Lopes e Fabrício (2019), que advogam por uma pesquisa situada e com interesse em problemas reais da sociedade. Sobre as noções de cidade e infância, no campo da Arquitetura e Urbanismo estabeleço diálogos com Maricato (2000; 2015; 2019), Rolnik (1995; 2023), Santos (1988), Jacobs (2011), Tonucci (2016; 2021) e Wilheim (1976). Na Geografia discursiva, com Santos Filho (2022; 2023a), Santos Filho e Santos (2024) e no tocante ao livro didático e lições didáticas, diálogos com Bittencourt (2008; 2014; 2020), Bunzen (2005), Cassiano (2013), Catling (2023), Esteves (2014; 2016), Castrogiovanni e Goulart (1988) e Azambuja (2014), entre outras reflexões. Quanto aos procedimentos metodológicos adotados, foram selecionadas três abordagens, quais sejam: i) na dimensão do corpus, a pesquisa é documental e bibliográfica, ii) a partir do caráter epistemológico, a escolha foi pela abordagem interpretativista, e iii) na dimensão da análise, os procedimentos metodológicos da leitura enunciativo-discursiva, fundamentada na perspectiva dialógica da linguagem do Círculo de Bakhtin, a partir de Volochínov (2021), Bakhtin (2016), Santos Filho (2007; 2012) e Brait (2005; 2016), em diálogo com a proposta de análise de texto, de Antunes (2010). Essas escolhas metodológicas possibilitaram não apenas compreender toda complexidade que envolve o objeto em estudo, mas, sobretudo, problematizá-lo. Os resultados após análises revelam que apesar das coleções ser da mesma editora, possuir o mesmo ano de publicação, ter o mesmo público leitor, ser da mesma área conhecimento (ciências humanas) e apresentarem explicitamente o mesmo conceito para cidade, operam com diferentes noções de cidade, sendo em suas lições didáticas a cidade tematizada de maneira distinta. As lições didáticas da coleção A conquista: História, mesmo timidamente, são as mais próxima da noção de um letramento territorial ‘perigoso’, aquele que está para uma prática linguístico-discursiva que empreende o território/cidade em sua plenitude, para além da dimensão física, social, histórica, cultural e ideológica, considerando também a dimensão discursiva, uma pratica de enfrentamento das iniquidades, das tensões, das relações de poder e das crises urbanas de diferentes naturezas, uma pratica educativa de garantia de direito a cidades mais justas e menos desiguais.