ORIGENS DESENVOLVIMENTISTAS DA OBESIDADE E SUAS COMORBIDADES: ESTUDO DO TIPO CASO-CONTROLE EM MULHERES INDÍGENAS DE ALAGOAS
Origens Desenvolvimentistas da Saúde e Doença. Povos Indígenas. Mulheres. Obesidade.
Introdução: No Brasil, a obesidade atinge uma parcela relevante da população adulta, sendo especialmente comum no sexo feminino. Apesar disso, muitas mulheres do Nordeste passaram por um cenário oposto na infância, marcado pela desnutrição, resultado da fome persistente que atingiu a região em décadas anteriores. Evidências sugerem que a carência nutricional no início da vida pode levar a mudanças no organismo que aumentam a vulnerabilidade a doenças crônicas ao longo dos anos. Essa ideia baseia-se na teoria de que fatores ambientais que atuam desde a gestação até os dois primeiros anos de vida podem comprometer a saúde na vida adulta. Um dos indicadores da desnutrição pregressa é a baixa estatura, mas recentemente foi proposto um novo marcador com maior especificidade diagnóstica: o Índice Perímetro Cefálico Estatura – IPCE. A obesidade tem afetado de forma importante também os povos indígenas. No que diz respeito à desnutrição infantil, esses grupos são ainda mais impactados do que a população geral. Diante disso, é razoável considerar que muitas mulheres indígenas com obesidade tenham passado por desnutrição na infância e, por isso, estariam mais propensas a desenvolver doenças crônicas na vida adulta. No entanto, até o momento, nenhum estudo havia investigado essa relação. Métodos: Estudo caso-controle, com amostra probabilística representativa das 11 etnias indígenas existentes em Alagoas. Foram elegíveis mulheres de 19 a 59 anos residentes nas comunidades sorteadas. A coleta ocorreu entre setembro de 2022 e dezembro de 2023, por meio de entrevistas domiciliares. Foram coletados dados socioeconômicos, demográficos, antropométricos, de pressão arterial e bioquímicos. Além da caracterização sociodemográfica das participantes, foi possível o diagnóstico de obesidade, hipertensão arterial e diabetes. Os grupos foram definidos conforme a presença (casos) ou ausência (controles) desses desfechos. Casos e controles foram comparados quanto à exposição à desnutrição no início da vida, definida por IPCE > 1,028. Além da estatística descritiva, utilizou-se análise multivariável para identificar associações e controlar fatores de confundimento. Para isso, utilizou-se a razão de chances e respectivo IC95%. Resultados: Foram investigadas 813 mulheres. Aquelas com obesidade foram expostas à desnutrição no início da vida de forma significantemente superior às sem a condição, indicando que a desnutrição aumentou em 2,34 as chances para obesidade (OR = 2,34; IC95%: 1,46–3,76; p < 0,001). O mesmo ocorreu entre as com hipertensão arterial, sendo 2,05 mais chances de apresentarem a condição quando expostas à desnutrição na infância (OR ajustada = 2,05; IC95%: 1,25–3,36; p = 0,005). Em contraste, a diabetes não obteve associação significativa (OR = 1,28; IC95%: 0,78–2,09; p = 0,324). Os desfechos também se associaram a variáveis socioeconômicas e demográficas. Conclusão: A desnutrição no início da vida constitui fator de risco para doenças crônicas não transmissíveis em mulheres indígenas de Alagoas. Este estudo reforça a necessidade de compromisso contínuo com a promoção da saúde e segurança alimentar, de modo a eliminar a fome e seus efeitos deletérios ao longo da vida.