“NA SOLIDÃO E NO SILÊNCIO, ESCREVE”: HISTÓRIA, LITERATURA E RECORDAÇÃO NAS
MEMÓRIAS DO CÁRCERE (1953),
DE GRACILIANO RAMOS
“Trabalhos de memória”; Memórias do cárcere; Graciliano Ramos; memória; autobiografia.
Essa dissertação analisa o livro Memórias do cárcere (1953) (Mc), do escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953). Trata-se do testemunho do autor sobre sua prisão, em 1936, no contexto da escalada autoritária que culminou no Estado Novo (1937). Pretendemos contribuir com a compreensão acerca das correlações existentes entre História, Literatura e as memórias individual e coletiva. Enquanto objeto historiográfico, Mc é fonte histórica valiosa e constitui o que Michael Pollak e Pierre Nora chamam “lugar de memória”. A “cartografia” de Mc se refere a dois “lugares" cronológicos: o biênio 1935-1936, quando ocorrem as rebeliões comunistas no Nordeste que resultaram na prisão do escritor e o intervalo entre as décadas de 1940 e 1950, período da elaboração do livro, que coincide com a atividade política do autor e de onde é possível entrever tensões internas no Partido Comunista do Brasil (PCB), do qual Ramos fazia parte desde 1945. Ao dispensar anotações e fazer da memória sua única fonte, o escritor escreveu texto que combina as escritas memorialística e literária. Seu uso como documento exige esforços na localização de elementos factuais e fictícios, mesmo que o livro seja vestígio de uma época verificável na realidade objetiva. Todos esses fatores fazem de Mc livro único e provocativo, cuja leitura, análise e fruição exigem atenção de quem aceita o desafio proposto por Graciliano. Para alcançar nosso objetivo, pesquisamos, além de Mc, artigos, cartas, crônicas e entrevistas do escritor. A base teórica está ancorada em diversos trabalhos, entre os quais A escrita da História (1982), de Michel de Certeau; A memória coletiva (1990), de Maurice Halbwachs; A memória, a História, o esquecimento (2007), de Paul Ricoeur; Los trabajos de la memoria (2012), de Elizabeth Jelin; os artigos de Michael Pollak e Pierre Nora sobre “lugares de memória” e de Sandra Pesavento sobre as aproximações e distanciamentos entre a História e a Literatura (2003; 2006). Também constituem apoio teórico importante o estudo da historiadora Ângela de Castro Gomes sobre a “escrita de si” (2004) e o trabalho do crítico Philippe Lejeune sobre autobiografia e pacto autobiográfico (2008).