DISPONIBILIDADE, ESCOLHA E ENGANO: UMA ABORDAGEM TEÓRICA E EXPERIMENTAL SOBRE INGESTÃO DE PLÁSTICOS
Armadilha evolutiva, Poluição por plástico, Zebrafish
A poluição por plásticos representa uma das maiores ameaças ambientais atuais, especialmente para os ecossistemas marinhos e de água doce, onde ocorre a ingestão inadvertida desses materiais por peixes. Esta tese aborda a ingestão plástica como uma armadilha ecológica, na qual peixes confundem partículas plásticas com presas naturais devido a características visuais e comportamentais, resultando em impactos negativos para sua saúde e para a dinâmica das cadeias tróficas aquáticas. Por meio de uma revisão global, foi constatado que 53,3% das espécies marinhas e estuarinas estudadas apresentaram ingestão de plástico, principalmente na forma de fibras, abrangendo todas as categorias tróficas analisadas: carnívoros marinhos (MCAR), insetívoros (SINV), invertívoros (MINV), planctívoros (PLANK) e herbívoros (HERB). Os dados indicam que a disponibilidade ambiental de plástico é determinante para os níveis de ingestão, sendo que peixes planctívoros exibem uma ingestão mais estável e menos sensível às variações na quantidade de plástico disponível, provavelmente em função de sua alimentação filtradora. Em contrapartida, outros grupos tróficos apresentam maior variação na ingestão conforme a disponibilidade ambiental. Além disso, áreas com má gestão de resíduos plásticos demonstraram maiores níveis de ingestão, evidenciando o impacto direto das práticas humanas na contaminação alimentar desses animais. Complementando essa análise, estudos experimentais com zebrafish (Danio rerio) reforçaram o conceito da armadilha evolutiva, ao mostrar que a ingestão de microplásticos está relacionada não apenas à semelhança visual entre partículas plásticas e alimentos naturais — especialmente considerando a cor das partículas — mas também ao estado de saciedade do animal e à disponibilidade ambiental de partículas plásticas. Observou-se que zebrafish ingerem microplásticos em diferentes condições de fome, e que partículas plásticas de cores distintas (azul e vermelho) são ingeridas mesmo quando misturadas a alimentos naturais, indicando uma falha nos mecanismos de reconhecimento alimentar, com maior preferência pela cor vermelha. Esses resultados contribuem para o entendimento dos fatores que influenciam a ingestão plástica, destacando a complexidade das interações entre comportamento alimentar e contaminação ambiental. Os achados desta tese enfatizam a necessidade urgente da implementação de políticas e programas eficazes de gestão, redução e reciclagem de resíduos plásticos, visando reduzir a emissão desses materiais e minimizar seus efeitos nocivos sobre os peixes e os ecossistemas aquáticos. A compreensão integrada da ingestão plástica como uma armadilha evolutiva ecológica oferece subsídios fundamentais para a conservação da biodiversidade e a manutenção da saúde ambiental em um contexto de crescente poluição global.